domingo, 30 de março de 2014

Quem eram as esquerdas em 1964?




Francisco Julião, Tancredo Neves, Joao Goulart, Sérgio Magalhães e San Thiago Dantas
                Esse é o primeiro de uma série de dois textos sobre o espectro político (social e partidário) durante o governo João Goulart. O texto de hoje é dedicado as esquerdas. O objetivo é mostrar a intensa mobilização popular e as diferentes estratégias de organizações e lideranças de esquerda para implementar as reformas. Além disso, apresentamos a posição desses grupos em relação a questão democrática. 
              

quinta-feira, 13 de março de 2014

Comício da Central do Brasil: o início do fim




O Comício da Central do Brasil ocorreria em uma sexta-feira 13, em março de 1964, com a presença de cerca de 150 mil pessoas e marcaria o início do fim do governo João Goulart. O comício fora organizado por uma série de organizações sociais de esquerda, a frente dessas o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT).
                Durante a cerimônia, discursaram treze oradores. Leonel Brizola faria um discurso eletrizante, repleto de provações como “o estado da Guanabara é governada por um energúmeno”, referindo-se a Carlos Lacerda. Entre as propostas de Brizola, estava realização de uma Assembleia Constituinte, mais especificamente “um congresso popular, de que participem os trabalhadores, os camponeses, os sargentos e oficiais nacionalistas, homens públicos autênticos, e do qual sejam eliminadas as velhas raposas da política tradicional”.
                Aproximava-se das nove horas da noite quando João Goulart subia ao palanque e iniciava seu seu discurso combatendo a tese oposicionista de que ele estaria planejando subverter as instituições. O presidente afirmaria:“Democracia é precisamente isso: o povo livre para manifestar-se, inclusive nas praças públicas, sem que daí possa resultar o mínimo de perigo à segurança das instituições”. Em seguida, Jango critica ainda setores da igreja católica que, em sua visão, eram membros de “uma indústria do anticomunismo” e que levariam o povo a contramão dos ensinamentos sociais da igreja (referindo-se as encíclicas de João XXIII).

domingo, 9 de março de 2014

Golpe ou revolução


A revolução vitoriosa se investe no exercício do Poder Constituinte. Este se manifesta pela eleição popular ou pela revolução. Esta é a forma mais expressiva e mais radical do Poder Constituinte. Assim, a revolução vitoriosa, como Poder Constituinte, se legitima por si mesma. *Ato Institucional, 9 de abril de abril de 1964.
Caracterizar o movimento de abril de 1964 como golpe ou revolução é muito mais que uma divergência descritiva, mas principalmente uma divergência de valoração da deposição do presidente João Goulart. Os milicos de pijama e demais defensores do regime militar se referem ao fato como Revolução, enquanto a quase totalidade dos estudiosos do assunto (entre os me incluo), jornalistas e cidadãos em geral referem-se ao fato como “golpe”.
            Mas, afinal, de onde veio a ideia de chamar aquilo de “revolução”? O termo revolução surge no preâmbulo do Ato Institucional (documento que institucionalizava os poderes do “Comando Supremo da Revolução”). Esse ato fora escrita por Francisco Campos, pensador autoritário com feições fascistas que escrevera a Constituição de 1937, que deu início a ditadura varguista.
            Os conceitos de revolução e poder constituinte, empregadas por Campos, foram retirados da obra do Abade de Syeiès, um dos principais líderes no início da revolução francesa (autor do célebre “Que é o Terceiro Estado”). O pensador francês argumentava que somente a nação (isto é, o terceiro estado) poderia dar uma constituição ao país. E como o terceiro estado não o fizera, a França não tinha, portanto, uma constituição legítima. Daí o abade defender que os representantes do Terceiro Estado, eleitos para a Reunião dos Estados Gerais, se investissem do poder constituinte. Este poder seria maior do que as decisões corriqueiras de governo, posto que seria incumbido de criar as normas jurídicas referentes a organização do Estado e a definição dos direitos e deveres dos cidadãos.
            Ora, de cara saltam duas diferenças entre os contextos. O primeiro é que no Brasil existia uma Constituição, promulgada democraticamente em 1946 e em pleno vigor em 1964. A segunda diferença é que Sieyès reivindicava o poder constituinte para aqueles que foram eleitos pelo povo (claro que o conceito de povo em 1789 não é o mesmo que temos hoje) contra os representantes do primeiro e segundo estado. Já a norma jurídica escrita por Francisco Campos, defendia que o poder constituinte estava nas mãos de um comando militar, formado por profissionais que não nem foram eleitos pelo povo nem deveriam exercer qualquer atividade política.
             
                Para além disso, existe a definição bastante aceita de que revoluções são movimentos que transformam as estruturas políticas, econômicas e sociais. Conforme citado por Elio Gaspari, ninguém menos que Ernesto Geisel reconheceu:
 O que houve em 1964 não foi uma revolução. As revoluções fazem-se por uma idéia, em favor de uma doutrina. Nós simplesmente fizemos um movimento para derrubar João Goulart. Foi um movimento contra, e não por alguma coisa. Era contra a subversão, contra a corrupção.
A tentativa de dar ares de legalidade ao golpe, a tal “revolução”, também tinha outra faceta. Ora, as forças armadas são regidas pelos princípios da hierarquia e da disciplina. No topo dessa hierarquia estava o presidente e, logo abaixo (nomeados por ele) estavam os comandantes das forças (os ministros militares). Portanto, participar de uma conspiração que contra o governo, implica, forçosamente na subversão da hierarquia militar. Como justificar essa quebra da hierarquia e da legalidade?
                O dilema fora formulado pelo general Castelo Branco, dias antes do golpe. E se o presidente agisse ilegalmente, de que lados deveriam ficar os militares? Do lado da legalidade e contra o presidente (portanto, contra a hierarquia militar), ou do lado do presidente contra a legalidade (mas respeitando a hierarquia)? A resposta do general era que deveriam ficar com a legalidade e contra o presidente. Na prática, porém, essa era uma falsa questão, tendo em vista que Jango não cometeu nenhuma ilegalidade, mesmo nos momentos finais do regime.
                Goulart até cometeu erros na condução dos assuntos militares, mas como presidente ele tinha até o direito de errar (desde que o erro não implicasse em ilegalidade). Mesmo que houvesse ilegalidade, não cabia as forças armadas julga-lo, mas sim ao congresso ou ao STF, de acordo com a acusação e nos termos da Constituição.  
                Na semana anterior ao golpe, marinheiros marcaram a comemoração do aniversário de fundação da Associação dos Marinheiros e Fuzileiros Navais. Como seria previsível, o almirante Silvio Mota (comandante da Marinha) ordenou a prisão dos envolvidos. Entretanto, a tropa enviada para prender os amotinados acaba se recusando a cumprir as ordens e cerca de trinta fuzileiros ainda passam para ao lado dos amotinados. Enquanto os dois lados conferenciavam, chegavam ordens de Jango para que o prédio não fosse invadido. Sentindo-se desprestigiado e impedido de manter a hierarquia na Marinha, o Almirante Frota pede demissão. O seu sucessor optou por anistiar os envolvidos, para a indignação do almirantado.
                Vale lembrar que naqueles tempos o país vivia intensa mobilização política de estudantes  (através da UNE), trabalhadores urbanos (CGT) e trabalhadores rurais (ligas camponesas). Representantes de todos esses setores faziam parte da Frente de Mobilização Popular, orientação de esquerda (incluindo comunistas) e seguiam a liderança de Leonel Brizola. Toda essa mobilização chegara aos suboficiais das forças armadas, que passaram a reivindicar desde o direito ao voto a melhores soldos e condições de trabalho. O próprio cabo Anselmo, líder dos amotinados, era um universitário membro da UNE que entrara na Marinha para fazer política.  
                Faltou a Jango e a esquerda de modo geral a exata noção da gravidade daqueles fatos. Enquanto os membros da FMP apoiavam e participavam das organizações de suboficiais, Jango se limitava a não punir a indisciplina. Entretanto, mesmo isso já era considerado demais para os miliares, tendo em vista que a defesa da hierarquia é algo definidor do que é ser um militar.
                Ainda assim, não havia qualquer conflito entre o presidente e a legalidade. Só havia dois lados para os militares em 1964. De um lado, o presidente e a legalidade, de outra a conspiração militar (essa também uma escandalosa quebra da hierarquia).
                Portanto, não faz qualquer sentido falar em revolução, nem em poder constituinte, nem em democracia para se referir ao movimento militar de 1964. Golpe é a melhor definição. Sobre as contradições de militares e juristas autoritários, o humorista Mauro Porto (sob o pseudônimo de Stanislaw Ponte Preta) escreveria



Como eu dizia linhas acima, uma das mais constantes manifestações do Festival de Besteira, na sua fase presente, é a mania de querer explicar o que não tem explicação. Muito melhor é não dar explicação nenhuma.